terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Ser testado para aprender

Pesquisadores norte-americanos afirmam que participar de uma avaliação logo após ser apresentado a um conteúdo é a melhor forma de o aluno reter as novas informações

Rayanne Portugal - CORREIO BRAZILIENSE

Depois de encarar várias horas de aula, grande parte dos estudantes não quer nem ouvir falar de revisar o que foi ensinado pelo professor. O estudo acaba ficando para a véspera da prova, quando o aluno enfrenta o desafio de reaprender o conteúdo acumulado em meses de aulas e que, em muitos casos, não foi absorvido de forma eficiente. Cientistas norte-americanos afirmam que a melhor maneira de guardar na memória a informação recebida na sala de aula é simples: testar o conhecimento antes que o cérebro tenha tempo de esquecê-la.

Segundo pesquisa realizada pela Universidade de Purdue, publicada recentemente na revista Science, submeter-se a testes que avaliam a compreensão e memorização após aprender um novo conteúdo é a melhor forma de reter a informação. Participaram da análise 200 alunos universitários, que, divididos em quatro grupos, leram um texto de alguns parágrafos. Cada conjunto de alunos adotou uma estratégia diferente de aprendizado. O primeiro leu o texto uma única vez. Outro revisou a passagem por até quatro vezes. Um terceiro grupo organizou as informações em forma de diagramas. Por fim, a alguns alunos foi pedido que escrevessem uma redação sobre o que tinham lido. Ao serem avaliados uma semana depois, os estudantes do quarto grupo conseguiram lembrar-se de mais da metade do que haviam lido, um desempenho melhor do que o obtido pelos demais participantes (veja arte).

Para os autores da pesquisa, alguns métodos usados na hora de estudar, tanto em sala de aula quanto em casa, acabam dando aos alunos a ilusão de que eles sabem mais do que realmente dominam sobre determinado assunto. A conclusão não espanta o pedagogo e mestre em educação pela Universidade de Brasília (UnB) Fernando de Assis Alves. "É como se você aprendesse determinado tema apenas de forma imediata. O cérebro acaba descartando aquilo que entende como menos importante", explica. O professor diz que a utilização de exercícios práticos e pequenos testes realizados logo após a aula podem ajudar o aluno a sedimentar o conteúdo e evitar que ele se perca ao longo do ano. "A utilidade dos testes escolares é repensada. Eles deixam de ser, felizmente, apenas um mecanismo de avaliação e separação dos alunos 'bons' dos 'ruins' para se tornarem uma forma de deixar o ensino mais eficiente", comenta.

Desempenho

Priscila Rodrigues, 16 anos, aluna do 3º ano do ensino médio, aprendeu a exercitar as matérias dadas na escola para melhorar seu desempenho ao ver que, logo após as provas, era difícil voltar a dominar determinados assuntos. "Eu adoro ler. Passava horas revisando matéria, fazendo resumos enormes. Na hora da prova, funcionava perfeitamente, mas tenho consciência de que, uma semana depois, eu não teria o mesmo resultado se fizesse a mesma prova", conta.

Ao se preparar para a entrada na universidade, a estudante sentiu a necessidade de mudar a rotina de estudos. "Desde o ano passado, não só leio como procuro fazer os exercícios passados em sala de aula, tentando ao máximo não levar dúvidas para casa. Os professores me ajudam, orientando e me passando listas de atividades extras para eu melhorar naquilo que ainda não sei bem. Assim, eu me questiono mais, me desafio mais", diz Priscila.

A neurocientista e psicopedagoga Marta Relvas atribui o sucesso da técnica de testar os conhecimentos a uma sensação de desafio e vitória que o estudante pode experimentar ao passar pela avaliação. "Para que o aluno aprenda, a informação precisa fazer sentido. A partir do momento em que ele se sente impulsionado ao desafio positivo, a superar dificuldades, descobrir coisas novas e, mesmo no erro, tirar suas dúvidas, a informação alcança níveis permanentes na memória", explica.

De acordo com ela, quando o estudante está à frente de uma pergunta objetiva sobre o que ele acabou de aprender, o cérebro sai do estágio mecânico de absorção da informação para uma atividade mais intensa, na qual ele é forçado a relembrar o que viu, ouviu e sentiu na aula. "O desafio de acertar e descobrir de forma autônoma a resposta vem associada ao prazer. Ninguém gosta de fazer uma prova na qual se sentirá julgado, rotulado por uma nota. Por outro lado, acertar ou buscar o acerto na hora de exercitar o conhecimento - e essas formas de exercitar podem ser variadas - faz a pessoa enxergar sua capacidade e aprender melhor", afirma Marta.

Essa reação ocorre independentemente da idade ou nível de formação. Para Pedro Xavier de Oliveira, 24 anos, graduado em ciência da computação e mestrando na mesma área, esse "exercício do conhecimento" sempre foi fundamental para se sair bem no curso repleto de teorias exatas e humanas. "Ao terminar de ler o capítulo de um livro, posso ter a sensação de ter entendido bem o assunto. No entanto, apenas quando começo a fazer os exercícios ligados àquele tema é que realmente vejo se entendi o que foi lido ou não. Isso me força a voltar à leitura do livro, além de procurar outras fontes sobre o conteúdo", conta.

Na sala de aula

À Science, o autor da pesquisa norte-americana, Jeffrey Karpicke, explicou que a grande vantagem do método é promover a recuperação de informações e a reconstrução do conhecimento. O aluno, ao exercitar o que foi aprendido, terá mais facilidade para reconhecer e preencher lacunas no conhecimento e recuperar facilmente aquilo que aprendeu anteriormente, quando questionando.

"Nas salas de aula, é comum ver o incentivo à construção das ideias do aluno. Por outro lado, quanto à forma como esse aluno absorve o conhecimento, há problemas. Ele não compreende o porquê do que está aprendendo", explica o pedagogo Fernando Alves. Para o professor da UnB, tudo muda a partir do momento em que o indivíduo passa a ter domínio do conhecimento. "Os professores, atualmente, parecem não estar preparados para o desafio de trazer essas possibilidades ao aluno", diz.

O psicólogo Fernando Elias José, especialista em educação e preparação para avaliações, acredita que a metodologia de recuperação de conhecimento, apesar de não ser nova, pode ser mais bem explorada nas salas de aula. "Não acredito que haja uma única forma de se aprender. Os alunos não devem ser incentivados a deixar de ler ou criar suas próprias formas de estudar. Acredito que o segredo é agregar", explica. Elias José afirma que a melhor maneira de estudar não pede receita. "O estudante deve se sentir motivado e ativo. A melhor forma, ele é quem deve descobrir, encorajado pelo educador. Afinal, não adianta querer enfrentar uma bateria de exercícios até tarde da noite simplesmente porque a escola pediu. Tanto a leitura quanto o exercício devem ser explorados com inteligência e dosados de acordo com a capacidade do aluno."